Grande vilão da inflação nas principais economias do mundo, o preço do gás natural sobe à medida que a crise energética da Europa se agrava. A gigante russa de energia Gazprom interrompeu os fluxos através do gasoduto Nord Stream 1. De acordo com autoridades russas, problemas técnicos forçaram o gasoduto a permanecer fechado sem previsão de reabertura.
O contrato ativo do gás natural na bolsa da Alemanha, referência para os preços praticados na Europa,fechou acima de 300 euros por megawatt-hora (MWh), em novo recorde histórico em 25/08. Os investidores consideravam naquele momento o risco da “extensão” do período de paralisação do fornecimento do gás russo.
A interrupção do transporte de gás russo à Europa veio um dia depois de o G7 confirmar que pretende implementar um teto de preço ao petróleo produzido na Rússia, para limitar sua capacidade de financiar a guerra.
Embora abaixo dos picos registrados há uma semana, os altos custos de energia estão elevando as perspectivas de um agravamento da crise energética conforme o inverno se aproxima. Em 2022, o preço do gás acumula alta de 343%, e 800% em 12 meses.
As famílias precisam de gás natural para aquecer suas casas. Fora isso, muitas empresas também estão interrompendo suas operações devido ao alto custo energético. A Arcelor Mittal fechou duas unidades de siderurgia na Alemanha.
Em números, esse cenário se traduz para uma zona do euro com PIB sendo revisado para baixo de 2,5% e inflação para cima, de 7,5%, ambas as projeções já eram consenso para 2022. Aliás, sobre a inflação ao consumidor, atualmente em 9,1% no acumulado em 12 meses até agosto, há dúvidas de que tenha atingido o pico.
A Alemanha anunciou neste fim de semana um pacote de 65 bilhões de euros para proteger os consumidores. A nova primeira-ministra do Reino Unidos, Liz Truss, está considerando um pacote de 100 bilhões de libras para ajudar com o aumento do custo de vida. Por um lado, as autoridades correm para recompor o poder de compra da população, como resposta à crise de energia. Mas, por outro, e diante da incapacidade de gerar energia para iluminar e aquecer as casas, uma pergunta segue sem resposta: haverá gás?
A pressão por uma decisão mais agressiva do Banco Central Europeu na elevação dos juros coincide com o agravamento da crise energética na Europa. Grande parte da perda do valor do Euro em relação ao Dólar, que trafegou abaixo da paridade recentemente, é justamente pela leitura que os investidores fazem sobre a limitação do BCE no combate à inflação.
Com uma união monetária e sem uma união fiscal, elevar juros no bloco do euro “desperta” antigos fantasmas da crise que enfrentou há uma década, a crise da dívida soberana. Nesse aspecto, o Federal Reserve nos Estados Unidos não encontra amarras. Mas o mercado imobiliário vem indicando arrefecimento com juros ao redor de 2,5%.
Outro ingrediente azeda essa salada que se tornou o cenário internacional: China. Acredite se quiser, o país também vem azedando as consequências de uma crise de energia na região sudoeste, com um racionamento de energia que prejudica a produção fabril. Em setembro, seca e altas temperaturas ainda ameaçam a principal safra de grãos chinesa.
O petróleo abaixo dos $100 o barril é consequência exclusiva da leitura dos investidores sobre a expectativa de recessão econômica e desaceleração da demanda pela commodity. Dado que as condições de escassez e limitação da produção ainda impactam a oferta, é difícil pensar numa forte desvalorização do petróleo.
O gás natural é a principal fonte de energia para casas e indústrias no continente europeu. O diesel é um substituto natural do gás. Esse é um dos fatores que explicam por que o diesel não acompanha a magnitude da redução dos preços dos outros tipos de combustíveis aqui no Brasil.
De acordo com especialistas do setor de combustíveis, há uma forte chance de o diesel subir já que a demanda deve crescer ainda mais por conta do inverno no hemisfério Norte e com o escoamento da safra de grãos no Brasil pelo transporte rodoviário.
Algumas considerações sobre o Brasil:
- Em meio à desaceleração econômica mundial, a economia brasileira está surpreendendo positivamente. PIB (expectativas caminham para 2,5% em 2022), mercado de trabalho (taxa de desemprego em 9,1% em julho, o menor patamar em 7 anos) e superávits primários que contribuem para a redução do nível de endividamento (77,6% do PIB em julho, abaixo dos 89% em outubro de 2020 durante a pandemia) são indicativos importantes para a manutenção do fluxo de investimento estrangeiro, especialmente na Bolsa.
No passado, já vimos que a indisposição prepondera quando há incerteza fiscal. O projeto de lei orçamentária (PLOA 2023) é uma peça inacabada. Afinal, dependerá do desfecho da eleição. Aí mora uma incerteza! Por enquanto, ante à capacidade que as empresas têm de gerar lucro, o apetite do “gringo” segue elevado. - Se o Brasil mantiver um crescimento razoável, somado à inércia inflacionária, a inflação projetada para 2023 será revisada para cima e não para baixo, como aponta o Focus. Há consideração do efeito da Selic em 13,75% ou pouco acima de 14% no arrefecimento da economia. No entanto, se o governo optar por estímulos no próximo ano, a conta da inflação é para cima e não para baixo. No Brasil, é difícil apostar contra inflação.
- O Brasil pode abandonar a armadilha do baixo crescimento; depende das escolhas. Investimento em infraestrutura é fonte de crescimento estrutural. Com 95% do orçamento engessado, o governo não tem espaço para promover todos os investimentos necessários. Por isso, as reformas estruturantes e modernizações econômicas são primordiais para melhorar o ambiente de negócios e atrair recursos da iniciativa privada e estrangeiros.
Se o país retomar o padrão de gastar além da arrecadação, e não seguir uma âncora fiscal, que serve como garantia da nossa responsabilidade com a condução das contas públicas, o investimento privado e o estrangeiro podem minguar.
Há menos de 20 dias úteis para as eleições com Ibovespa acima de 110.000 pontos e o dólar abaixo de R$ 5,20, o Brasil não foi penalizado pelas eleições quanto se especulava no início desse ano. Os juros em dois dígitos e o potencial de retorno das empresas mantiveram o apetite pelos ativos domésticos.